sábado, fevereiro 25, 2012

Textos da Liturgia 26/02/2012 - 1°. Domingo da Quaresma

A RESTAURAÇÃO DA HUMANIDADE EM CRISTO E O BATISMO

1ª leitura: (Gn 9,8-15) Dilúvio e aliança com a humanidade – O dilúvio é o símbolo do juízo de Deus sobre este mundo. Mas repousa sobre este também sua misericórdia, simbolizada pelo arco-íris. Deus faz uma aliança com Noé e sua descendência, isto é, a humanidade inteira. Apesar do mal, Deus não voltará a destruir a humanidade. É significativo que esta mensagem foi codificada no tempo do declínio do reino de Judá! A fidelidade de Deus dura para sempre. * 9,8-11 cf. Gn 6,18; Os 2,20; Is 11,5-9; 54,9-10; Eclo 44, 18[17b-18]; Rm 11,29 * 9,12-15 cf. Ez 1,28; Ap 4,3.

2ª leitura: (1Pd 3,18-22) Dilúvio e batismo – 1Pd caracteriza-se por seu teor de catequese batismal. O batismo inclui a transmissão de credo. 1Pd 3,18–4,6 contém os elementos do primitivo credo: Cristo morreu e desceu aos infernos (3,18-19), ressuscitou (3,18.21), foi exaltado ao lado de Deus (3,22), julgará vivos e mortos (4,5). Tendo ele trilhado nosso caminho até a morte, nós podemos seguir seu caminho à vida (3,18). O batismo, antítipo do dilúvio, purifica a consciência e nos orienta para onde Cristo no precedeu. * 3,18 cf. Rm 5,6; 6,9-11; Is 53,11; Rm 1,3-4 * 3,20 cf. Gn 6,8–7,7; 2Pd 2,5–3,21 cf. Rm 6,4; Cl 2,12-13 * 3,22 cf. Ef 1,20-21; Cl 1,16-18.

Evangelho: (Mc 1,12-15) Tentação de Jesus no deserto e começo de sua pregação – O batismo de Jesus, sua “provação” no deserto e o fim do ministério do Batista significam o fim da preparação de Jesus. Aproxima-se a grande virada do tempo: Jesus anuncia a boa-nova do Reino de Deus. – A tentação no deserto transforma-se em situação paradisíaca: Jesus é o novo Adão, vencedor da serpente. Seu chamado à conversão é um chamado à fé e à confiança. * 1,12-13 cf. Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; Is 11,6-9; Sl 91]90],11-13 * 1,14-15 cf. Mt 4,12-17; Lc 4,14-15; Gl 4,4; Rm 3,25-26.

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O mal tem muitas faces e, além disso, uma coerência interior que faz pensar numa figura pessoal, embora não identificável no mundo material. Chama-se “satanás”, o adversário; ou “diabo”, destruidor. Está presente desde o início da humanidade. As águas do dilúvio representavam, para os antigos, um desencadeamento das forças do mal. Mas quem tem a última palavra, na criação, é o amor de Deus. Deus não quer destruir o homem, ele impõe limites ao dilúvio e não mais voltará a destruir a terra (1ª leitura). No fim do dilúvio, Deus repete o dia da criação, em que ele venceu o caos originário, separou as águas de cima e de baixo e deu um lugar ao homem para morar. Faz uma nova criação, melhor que a anterior, pois acompanhada de um pacto de proteção. O arco-íris, que no fim do temporal nos alegra espontaneamente, é o sinal natural desta aliança. Oito pessoas foram preservadas, na arca de Noé. Elas serão, graças à aliança, o início de uma nova humanidade.

Deus oferece novas chances. Incansavelmente deseja que o ser humano viva, mesmo sendo pecador (cf. Ez 18,23). Sua oferta tem pleno sucesso com Jesus de Nazaré. Este é verdadeiramente seu Filho (Mc 1,11). Impelido por seu Espírito, enfrenta no deserto as forças do mal – Satã e os animais selvagens –, mas vence, e os anjos do Altíssimo o servem (evangelho). Vitória escondida, como convém na 1ª parte de Mc. Nos seus 40 dias de deserto, Jesus resume a caminhada do povo de Israel e antecipa também seu próprio caminho de Servo de Javé. Por sua fidelidade na tentação, alcança um novo paraíso. Nas próximas semanas, o acompanharemos em sua subida a Jerusalém, obediente ao Pai. Será a verdadeira prova, na doação até a morte, morte de cruz. E “por isso, Deus o exaltou”... (cf. Fl 2,9).

Jesus, porém, não vai sozinho. Leva-nos consigo. Ele é como a arca que salvou Noé e os seus através das águas do dilúvio. Com ele somos imersos no batismo e saímos dele renovados, numa nova e eterna Aliança. Ao fim da Quaresma, serão batizados os novos candidatos à fé. A imagem da arca, apresentada pela 2ª leitura, está num contexto que menciona os principais pontos do credo: a morte de Cristo e sua descida aos ínferos (para estender a força salvadora até os justos do passado); sua ressurreição e exaltação (onde ele permanece como Senhor da História futura, até o fim). Batismo é transmissão da fé.

Portanto, a liturgia de hoje é como o início de uma grande catequese batismal, e isso mesmo é o sentido da Quaresma: prepararmo-nos para o batismo, que é a participação na reconciliação que o sacrifício de Cristo por nós operou (cf. Rm 3,21-26; 5,1-11; 6,3; etc.). Mergulhar com ele na provação que nos purifica. Também os que já foram batizados participam disso, pois, enquanto não tivermos passado pela última prova, estamos sujeitos a desistências. Mas, como à humanidade toda, no tempo de Noé, também a cada um, batizado ou não, Deus dá novas chances: eis o tempo da conversão. Nisso consiste a expressão de seu íntimo ser, que é, ao mesmo tempo, bondade e justiça: “Ele reconduz ao bom caminho os pecadores, aos humildes conduz até o fim, em seu amor” (salmo responsorial). Por essa razão, todos os batizados renovam, na celebração da Páscoa, seu compromisso batismal.

Anima a liturgia de hoje um espírito de confiança. Ora, confiança significa entrega: corresponder ao amor de Deus por uma vida santa (oração do dia). Claro, devemos sempre viver em harmonia com Deus, correspondendo a seu amor, como num novo paraíso. Na instabilidade da vida, porém, as forças do mal nos surpreendem desprevenidos. Mas a Quaresma é um “tempo forte”, e neste devemos aplicar a nós mesmos a prova do nosso amor, esforçando-nos mais intensamente por uma vida santa.


QUARESMA, REGENERAÇÃO

Celebramos o 1º domingo da Quaresma. Muitos jovens nem sabem o que é a Quaresma. Nem sequer sabem o que significa o Carnaval, antiga festa do fim do inverno no hemisfério norte, que, na Cristandade, tornou-se a despedida da fartura antes de iniciar o jejum da Quaresma...

A Quaresma (do latim quadragesima) significa um tempo de quarenta dias vivido na proximidade do Senhor, na entrega a ele. Depois de batizado por João Batista no rio Jordão, Jesus se retirou no deserto de Judá e jejuou durante quarenta dias, preparando-se para anunciar o Reino de Deus (evangelho). Vivia no meio das feras, mas os anjos de Deus cuidavam dele. Preparando-se desse modo, Jesus assemelha-se a Moisés, que jejuou durante quarenta dias no monte Horeb (Êx 24,18; 34,28; Dt 9,11 etc.), a Elias, que caminhou quarenta dias alimentado pelos corvos até chegar a essa montanha (1Rs 19,8). O povo de Israel peregrinou durante quarenta anos pelo deserto (Dt 2,7), alimentado pelo Senhor.

Na Quaresma deixamos para trás as preocupações mundanas e priorizamos as de Deus. Vivemos numa atitude de volta para Deus, de conversão. Isso não consiste necessariamente em abster-se de pão, mas sobretudo em repartir o pão com o faminto e em todas as demais formas de justiça – o verdadeiro jejum (Is 58,6-8). A Igreja viu, desde seus inícios, nos quarenta dias de preparação de Jesus uma imagem da preparação dos candidatos ao batismo. Assim como Jesus depois desses quarenta dias se entregou à missão recebida de Deus, os catecúmenos eram, depois de quarenta dias de preparação, incorporados em Cristo pelo batismo, para participar da vida nova. O batismo era celebrado na noite da Páscoa, noite da Ressurreição. E toda a comunidade vivia na austeridade material e na riqueza espiritual, preparando-se para celebrar a Ressurreição.

A meta da Quaresma é a Páscoa, o batismo, a regeneração para uma vida nova. Para os que ainda não receberam o batismo – os catecúmenos –, isso se dá no sacramento do batismo na noite pascal; para os já batizados, na conversão que sempre é necessária em nossa vida cristã: daí o sentido da renovação do compromisso batismal e do sacramento da reconciliação neste período. É nesta perspectiva que compreendemos também a 1ª e a 2ª leitura, que nos falam da purificação da humanidade pelas águas do dilúvio e do batismo.

(O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB  e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total).

A identidade da Vida Consagrada. Seminário da CRB

Evento promovido pela Conferência dos Religiosos do Brasil - CRB, reúne em Itaicí, Indaiatuba, SP, cerca de 400 religiosos e religiosas de todo o país e tem como tema “A loucura que Deus escolheu para confundir o mundo”.


Pe. Carlos Palácio (Foto: CRB)
“Onde nos encontramos neste momento histórico? Qual é o futuro da Vida Religiosa?”, perguntou padre Carlos Palácio, provincial dos Jesuítas no Brasil e vice-presidente da CRB Nacional, em conferência que abriu o segundo dia de trabalhos, no Seminário Nacional sobre a Vida Consagrada, na manhã desta sexta-feira, 24. Para o assessor, a Vida Consagrada e Apostólica hoje, não apresenta uma identidade clara. Muitos de seus membros se sentem cansados, outros estacionados, outros ainda, buscam uma auto-realização o que é contraditório. “Isso não está nos livros, mas nas pessoas que são livros vivos. É para esta situação que temos de dar respostas”, afirmou.

Segundo padre Palácio, “não faltam motivos para nos sentirmos cansados”, contudo, “a Vida Religiosa, se fundamenta no Evangelho e, enquanto houver gente apaixonada por Jesus Cristo, haverá Vida Religiosa”. Na opinião do teólogo, as congregações têm dificuldades em lidar com essa situação. Para enfrentar esse mal estar é preciso olhar a história. “É por não saber quem somos que não temos a clareza dentro e fora das nossas comunidades”. E acrescentou: “gastamos a maior parte das nossas energias em administrar a nossa diminuição numérica, o envelhecimento e peso das instituições”.

Na sua exposição, o jesuíta insistiu na necessidade de se resgatar o núcleo da identidade da Vida Religiosa e Apostólica. “Quem somos? A Vida Consagrada não é uma réplica da vida leiga cristã, nem da vida monástica, mas uma vida peculiar que capta elementos comuns da vida cristã e faz deles uma síntese. Disso surge uma espiritualidade”, destacou.

Na sequência, para elucidar a identidade da Vida Religiosa, padre Palácio recorreu ao Evangelho segundo Marcos (3, 13-14). Para ele, nesse texto, o evangelista reúne três elementos que revelam o núcleo identitário da Vida Consagrada, que são: a experiência do chamamento gratuito; a descoberta de ser chamado para estar com Jesus; e, o ser enviado em missão.

Nesse sentido “o importante é captar os três aspectos que não podem ser tomados separados, mas intimamente unidos. A experiência do encontro e da relação pessoal com Jesus dá essa identidade. É uma percepção única de um modo de viver. Se faltar um desses aspectos, a nossa vida começa a desmoronar”, afirmou. Para ele, essa é a mística que alimenta a Vida Consagrada.

A Missão
“A Missão não é fazer coisas, mas dar a vida e é impossível realizar uma Missão que dê vida sem que esteja enraizada na experiência de amor a Jesus Cristo. É isso que será capaz de unificar a nossa vida”, argumentou.

Padre Palácio destacou ainda que, “a Missão não cabe dentro do recolhimento e da paz monástica caso contrário, ela ficaria desfigurada”. Deveríamos fazer uma avaliação honesta e transparente dos 50 anos de pós Concílio Vaticano II, das suas conquistas, perdas e impasses. “Nem tudo o que foi assumido pela Vida Consagrada foi digerido evangelicamente”, sublinhou.

O teólogo concluiu a sua exposição com alguns questionamentos para suscitar um ‘olhar positivo e confiante’: “Estamos verdadeiramente convencidos que o principal problema da Vida Religiosa é mais de espírito do que de administração? É possível resgatar a paixão e o entusiasmo pelo que há de novo e original no estilo de Vida Religiosa e Apostólica? Temos consciência de que ainda persiste uma desarticulação entre vida e missão?”, foram alguns das perguntas colocadas. “A redescoberta da identidade está em nossas mãos. A tradição só é viva quando faz viver e nós estamos cheios de tradições mortas”, concluiu.

Na segunda parte da manhã, Irmã Annette Havenne, SM, psicóloga e formadora, aprofundou o tema e destacou a importância de viver e transmitir a paixão pela Vida Religiosa e Consagrada com convicção.

“A Vida Religiosa e Consagrada é uma loucura e faz loucuras porque nasce de uma paixão, paixão por Jesus e pelos valores do reino. Esta paixão é resposta a outra paixão bem maior, à inexplicável paixão de Deus pela humanidade”, destacou a religiosa. Em sua opinião, se olharmos o núcleo identitário da Vida Religiosa na perspectiva de um itinerário vocacional, “vamos constatar que não basta um ideal religioso, social ou humanitário como motivação, mas o re-encanto consciente por Jesus Cristo e a proposta do discipulado”.

Para Irmã Annette, a segunda convicção decorre da primeira. “Uma paixão autêntica é comunicativa, contagiante. Viver hoje o núcleo da identidade significa pensar como nos ajudamos a alimentar esta paixão e a transmiti-la para as novas gerações de consagradas e consagrados”.

Mística, comunidade e missão é o tripé que sustenta a Vida Religiosa Apostólica. “O que nos caracteriza, o que faz nossa identidade de religiosas e religiosos é como nós queremos ser comunidades de irmãs e irmãos em vista da missão e partilhar entre nós a experiência do rosto de Deus que se revela nesta missão”, argumentou.

O Seminário que acontece desde ontem, dia 23, encerra suas atividades nesta segunda-feira, 27, com sugestões para a XXIII Assembleia Geral Eletiva da CRB marcada para julho de 2013 em Brasília – DF.