Por Evaldo D´Assumpção*
Em 1978 estive em Turim, durante a exposição do Santo Sudário. Foi um
acontecimento excepcional levando-se em conta que, a última exposição
havida, fora em 1933. Seus então proprietários, a casa real de Sabóia,
não eram muito pródigos em compartilhar com o povo aquela preciosa
relíquia que, segundo a tradição é a mortalha que envolveu o corpo de
Cristo enquanto esteve no sepulcro.
Desde então venho estudando e acompanhando tudo o que se refere ao linho
sagrado e, a cada dia, me convenço mais de sua autenticidade.
Em 1988 uma notícia abalou o mundo dos estudiosos do Sudário: testes
feitos com o carbono 14 haviam comprovado a inautenticidade da mortalha:
ela seria um pano da Idade Média, uma farsa criada entre os anos de
1260 e 1390. Contudo, aquilo foi apenas uma notícia de impacto. Novos
estudos e, especialmente a avaliação da metodologia científica utilizada
nesta pesquisa, revelaram erros grosseiros, desacreditando-a
totalmente. Hoje, aquela experiência que teve um bocado de má-fé, já não
tem qualquer valor científico.
Entre outros, os estudos de Garza-Valdez, evidenciando a presença de
fungos no tecido que mudavam totalmente o resultado de uma datação pelo
carbono 14.
Obviamente todas as provas acumuladas são circunstanciais, pois para se
afirmar a sua autenticidade pela ciência de hoje, a única prova viável
seria o confronto de DNA. O que é impossível, uma vez que não existem
amostras do DNA de Jesus Cristo para esta comparação. Portanto, temos de
nos contentar com o enorme volume de provas indiretas, extremamente
convincentes.
Entretanto, é fundamental que se afirme: o Sudário não é uma peça de fé.
Em outras palavras, não é por causa do Sudário que se deve acreditar ou
não em Jesus Cristo e sua Boa Nova. Ao contrário, é por acreditar em
Cristo, que se crê no Sudário. Se algum dia for provado que ele não é a
autêntica mortalha, a verdadeira fé jamais será abalada, pois, se
genuína, não se prende a relíquias, a milagres ou a quaisquer outros
fatos extraordinários. Se assim fosse, não seria fé, mas crendice. E a
crendice não resiste a qualquer dúvida, a qualquer decepção com fatos
circunstanciais.
Voltemos ao Sudário, partindo da premissa de que é autêntico. É
sobejamente conhecido que naquele lençol de 4,36m x 1,10m está impressa,
de maneira até hoje não explicada, a imagem de um homem morto,
apresentando todos os sinais de torturas cruéis, açoitamento, coroação
de espinhos, crucificação e morte. Uma série de eventos que, como
veremos, eram utilizados pelos romanos contra os inimigos de César. E
Jesus foi assim considerado, por maquinações e acusações dos Fariseus.
Contudo, se muitos foram os crucificados, somente um recebeu a coroa de
espinhos: Jesus Cristo. E isso particulariza a mortalha em estudo.
Além destes sinais, outros são extremamente curiosos: as marcas de
coágulos sanguíneos visíveis no pano, não apresentam sinais de ruptura,
demonstrando que o corpo envolvido por ele não foi removido de dentro
dele, mas simplesmente desapareceu. As imagens do corpo não apresentam
qualquer distorção de formas, como o achatamento das partes que estavam
apoiadas na laje em que fora depositado. É como se, no momento da
formação da imagem, o corpo estivesse flutuando um pouco acima do pano.
Finalmente, as marcas do corpo não são pintura – e isso já está
definitivamente comprovado – porém uma espécie de chamuscado muito leve,
porém com fantástica precisão em relação à distância das partes do
corpo em relação ao pano. As partes do lençol que estiveram em contato
com o dorso do nariz, a testa e as maçãs do rosto, por exemplo, estão
mais chamuscadas do que aquelas que estiveram sobre os olhos ou sobre o
pescoço, portanto mais distantes destas regiões. Isso sugere um
desprendimento de energia luminosa, suficientemente intensa para
chamuscar o pano, porém bastante suave para não queima-lo todo.
Tudo isso levou diversos pesquisadores – mesmo aqueles totalmente ateus –
a acreditarem que somente a transformação de um corpo material, num
corpo não-material (ressurreição) explicaria o seu desaparecimento sem
que os tecidos fossem desenrolados, a flutuação, e a irradiação
luminosa. Fantasias? Talvez, porém levadas a sério por homens sérios,
que dedicam anos de suas vidas estudando o Sudário.
Partindo da suposição de que esta é a autêntica mortalha de Cristo,
podemos fazer algumas reflexões em cima desta relíquia que, exatamente
por ter tanto a nos contar, nos permitiu condensar estas informações num
livro que escrevemos e que se encontra em sua 3a edição: SUDÁRIO DE
TURIM – O evangelho para o século XX (Ed.Loyola, SP - 1980).
A MORTE
A crucificação é uma forma de pena de morte bastante antiga. Foram os
persas, em torno do ano 500 AC, os primeiros a utilizá-la largamente. E
sua utilização teve um fundamento religioso: adoradores do deus Ahura
Mazda, não queriam que a terra fosse contaminada com sangue do inimigo.
Suspendendo-os na cruz, separava-os do solo.
No Antigo Testamento, a crucificação era considerada uma forma maldita,
de condenação (Dt 21,23). Os romanos aprenderam sua utilização com os
povos púnicos. Mas a crucificação foi vedada aos cidadãos romanos, a
partir de um discurso de Cícero, no ano 63AC, passando a ser utilizada
somente contra os inimigos de Roma. Na Palestina, centenas de judeus que
se rebelaram contra a dominação romana, sofreram a pena da
crucificação.
Jesus Cristo, tendo sido apresentado pelos fariseus e pelos sacerdotes
como inimigo de Roma, foi condenado à cruz, juntamente com dois outros
judeus, esses provavelmente membros do grupo zelota de Barrabás, solto
por Pilatos em lugar de Jesus.
Os quatro Evangelhos descrevem bastante detalhadamente o que foi a
condenação e crucificação de Jesus Cristo. E o Sudário de Turim reafirma
tudo o que se encontra nos Evangelhos. Nele estão as marcas da coroa
de espinhos, do arrancamento de sua barba conforme previu Isaias (Is
50,6), do açoitamento, do carregamento da cruz, da crucificação e morte
cruel por asfixia.
Mas, a morte de Cristo teria sido planejada ou desejada por Deus?
Temos a convicção de que não. Deus, sendo pai, amor e perfeição, jamais e
em nenhuma circunstância poderia desejar algum mal para as suas
criaturas. Menos ainda para o seu próprio Filho! Mesmo argumentando que,
o que para nós parece um mal, para Deus não o é. Admitir que Ele
enviaria o seu próprio Filho para ser preso, torturado e submetido à
mais ignominiosa das mortes, nos parece uma verdadeira ofensa ao seu
perfeito amor.
Para entender tudo isso, façamos algumas reflexões. Ao criar o Universo,
e em particular a humanidade, certamente Ele o fez por amor. Por uma
imperiosa necessidade de amor. E, para o amado, somente se deseja a
felicidade.
Contudo, não há como se criar por amor, sem dar à criatura a plenitude
da liberdade. Quem ama verdadeiramente não escraviza nem condiciona.
Isso é o livre-arbítrio. E Deus não seria um ser perfeito, se a
liberdade que desse fosse limitada ao bom uso. A verdadeira liberdade
não pode ser limitada por outrem, mas somente por quem a tem. Daí se
tornarem meritórias ou condenáveis, as ações com ela realizadas.
Usando-a indevidamente, o homem rompeu o equilibro da criação e gerou os
males que, por sermos interligados, nos atingiram a todos,
espalhando-se pelos que nos cercam, destruindo o meio ambiente e todo o
planeta em que vivemos.
Diante disto, Deus, como o próprio Cristo nos conta na parábola do
vinhateiro (Lc 20, 9-16), enviou seu filho para nos conduzir de volta
aos retos caminhos. Assim como o dono da vinha mandou seu filho para
colocar em ordem os débitos existentes e não para ser assassinado pelos
arrendatários. Mas, nós homens, como os arrendatários da parábola,
achamos melhor matar o filho do dono da vinha, do que ouvir suas
palavras e segui-las.
Qual foi a reação de Deus? Se fosse um homem como nós, certamente agiria
como o vinhateiro da parábola: viria com soldados e mataria a todos.
Contudo, uma vez mais o amor infinito de Deus se manifesta e ele
transforma a nossa violência, em nossa própria redenção. Ao invés da
vingança, o perdão.
O genuíno perdão dos homens antecede o seu pedido. Mas, o perdão de Deus, antecede a própria culpa. Afinal, só Ele é perfeito.
Ele transforma a nossa barbárie, no mistério de nossa redenção. O sangue
que derramamos não clama sobre nós, mas nos lava de nossa faltas.
Deus não quis o sofrimento nem a morte de seu Filho, assim como não quer
o nosso sofrimento. Contudo, respeita a nossa liberdade, que Ele mesmo
nos deu. Ele pode, mas não interfere diretamente em nossas vidas. Ele
nos dá os meios e, pelos seus profetas, aponta os caminhos. Mas a
liberdade de escolha é nossa e Ele não a violenta nunca. Se o fizesse,
que méritos teríamos? Seríamos meros marionetes sem vontade própria.
Porém, se lhe dermos qualquer oportunidade, Ele transforma nossos
sofrimentos e nossa dor em aprendizado, em crescimento, em redenção e
crédito para a vida futura onde Ele nos aguarda de braços
materno-paternos, constantemente abertos e acolhedores!
A RESSURREIÇÃO
Nos Evangelhos encontramos, da mesma forma como a morte, a ressurreição
de Cristo muito bem descrita. Especialmente em Lucas 24 e João 20.
E também no Sudário vamos encontrar, muitos séculos depois, a realidade
da ressurreição. Cristo ressuscitou e o Sudário tornou-se testemunha
silenciosa, mas ao mesmo tempo tão eloqüente daquele fato
transcendental!
Reflitamos um pouco a respeito da Ressurreição.
Pela LÓGICA, Jesus Cristo enquanto homem e como todos nós faremos um
dia, experimentou a morte. Açoitado, crucificado e lanceado, seu corpo
mortal efetivamente morreu. Não há o que discutir.
Mas a natureza divina de Jesus se contrapunha a esse fato inexorável.
Senhor da Vida, Ele não podia permanecer submetido à morte. Sendo
verdadeiro homem, morreu. Sendo verdadeiro Deus, ressuscitou. A morte
tinha de se colocar submissa a seus pés. Não é dela a última palavra. “A
morte foi tragada pela vitória. Morte, onde está a tua vitória? Morte,
onde está teu aguilhão?” (1Cor.15,55)
Mas, também pela PEDAGOGIA a ressurreição era de se esperar.
Aqueles eram tempos ditos messiânicos. Os judeus esperavam o Messias
anunciado e muitos tiravam partido disso. Outros “messias” haviam
aparecido. E logo em seguida, desaparecido. Não sendo verdadeiros, não
tiveram consistência.
Lembremo-nos das palavras de Gamaliel no Sinédrio, ao ponderar sobre a
perseguição que faziam a Pedro e aos apóstolos: “Israelitas, considerais
bem o que ides fazer com estes homens.” Em seguida se referiu aos
vários “messias” que apareceram e desapareceram. E concluiu: “Não vos
metais com estes homens (os apóstolos), deixa-os ir. Se esta pregação
for iniciativa ou obra dos homens, perecerá. Mas, se vem de Deus, não
podereis eliminá-la e algum dia talvez constatareis terdes combatido ao
próprio Deus.” (At.5,33-39)
A ressurreição distinguia, indiscutivelmente, a condição de verdadeiro
Messias, de Jesus Cristo, em contraposição a tantos outros apareceram e
pereceram. Mas, como compreender a ressurreição?
Muitos questionam como será a outra vida. Os saduceus, que negavam a
ressurreição dos mortos, perguntaram um dia a Jesus como seria após a
morte. E Jesus lhes respondeu: “Os que forem considerados dignos, porém,
de ter parte na outra vida e na ressurreição dos mortos, não casarão
nem se darão em casamento. É que eles já não podem morrer, porque são
iguais aos anjos e são filhos de Deus, uma vez que já ressuscitaram.”
(Lc 20,35-36) E Paulo nos ensina: “Nem o olho viu, e nem o ouvido ouviu,
nem jamais penetrou no coração do homem o que Deus preparou para os que
o amam.” (1Cor 2, 9)
Portanto, como se pode pretender descrever o que é e como será a outra
vida? Basta-nos a esperança de poder gozá-la. Como, saberemos ao chegar
lá. E, com certeza, nunca voltaremos para contar como é. Se voltássemos,
nossa descrição seria incompreensível.
Sempre que se pretende descrever a realidade ao além, utilizamos
metáforas do aquém. Nas crenças onde se afirma a comunicação com os
mortos, todas as descrições da outra vida repetem as realidades de nossa
vida, aqui e agora. Ou seja, imaginamos estar descrevendo o inefável,
enquanto narramos o palpável de nossa realidade. Ninguém jamais
conseguiu sair desse círculo vicioso.
E a própria ressurreição de Cristo nos dá pistas para essa compreensão.
Ao sair do sepulcro vazio, Maria Madalena encontra alguém que imagina
ser um jardineiro. Conversa com ele e não o reconhece. Seus olhos e
ouvidos, órgãos de sentido para que está no espaço-tempo, não são
capazes de captar o que pressente. Quando aquela pessoa lhe toca o
coração, chamando-a pelo nome, imediatamente ela o reconhece. E exclama:
“Mestre!” (Jo 20 11-16)
Dois discípulos caminham pela estrada de Emaús. Alguém se coloca a seu
lado e conversa longamente com eles. Mas eles não o reconhecem através
de seus olhos e ouvidos. Ao partir o pão - gesto tão significativo para
eles - toca-lhes o coração e então eles o “enxergam”. (Lc 24, 13-32).
O Ressuscitado já não impressiona as retinas dos olhos físicos, nem faz
vibrar os tímpanos materiais. Somente quando se abrem os olhos e ouvidos
do coração, Ele é realmente visto e ouvido. A realidade da outra vida
transcende aos limitados recursos de percepção de nossos sentidos,
presos à materialidade do espaço e do tempo. Mas tange com facilidade as
cordas de nosso coração, de nossas emoções.
Só o amor abre os olhos e ouvidos do coração, permitindo ver e ouvir os
que já partiram dessa vida. Por isso mesmo afirmamos que nossos mortos
queridos, depois da morte estão muito mais perto de nós do que quando
viviam. Com nosso coração poderemos senti-los, em todos os momentos, bem
juntos de nós.
O Santo Sudário é testemunha silenciosa e misteriosa do infinito amor de Deus por nós!