domingo, setembro 29, 2013

NÃO CONSTRUA SUA RIQUEZA EM CIMA DA MISÉRIA ALHEIA. REFLEXÃO DESTE DOMINGO: 29/09/2013

Onde vivemos, há ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Muitas vezes, a riqueza de alguns é construída em cima da miséria de muitos.
“Filho lembra-te que tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, por sua vez , os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado” (Lc 16,25).
Um dos Evangelhos que relata, de forma muito clara, o drama que vive a comunidade desde os seus primórdios. O Evangelho nos mostra duas realidades. De um lado, a do rico que tudo tem, que tudo pode, que esbanja dos bens que tem, das posses, do dinheiro e de tudo aquilo que as riquezas podem dar a uma pessoa. E do outro lado, o pobre Lázaro praticamente miserável, que vive das misérias, da boa vontade das pessoas quando lhe dão algo para comer ou para poder sobreviver, de modo que ele vive jogado nas ruas, até os cachorros lambiam suas feridas.
No mundo em que nós vivemos, existem muitos ricos como no Evangelho de hoje; não existe pecado nenhum em ser rico, não existe mal nenhum em ter bens, em trabalhar honestamente, em adquirir posses e riquezas. O único mal é quando você olha a riqueza pela riqueza, faz dela o seu triunfo e coloca nela o sentido da sua vida, e você não pode olhar mais além; e pior ainda quando você se torna rico e não se lembra dos pobres.
Onde vivemos, há ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Muitas vezes, a riqueza de alguns é construída em cima da miséria de muitos.
Muitas vezes, o rico não se lembra de tratar com dignidade, com respeito e até promover a dignidade daqueles que estão sofrendo na miséria; por isso o Evangelho de hoje apresenta para nós o destino final da humanidade. O rico que vai sofrer os tormentos do inferno e o pobre que vai receber o consolo de Deus. Lá, o rico vai pedir o consolo ao pobre para vir em seu socorro, mas Abraão, representando o pai eterno, diz que é um abismo que separa quem está no céu de quem está no inferno.
Hoje, pobres e ricos podem conviver juntos pelo menos no mesmo planeta. É óbvio que um abismo social enorme os separa. É nosso papel, é nosso dever em cima daquilo que nos ensina o Evangelho, a Doutrina Social da Igreja. Trabalharmos e nos empenharmos, cada vez mais, para que a pobreza desapareça e para que menos pessoas passem por necessidades. Cuidemos dos pobres, porque a carne dos pobres, desprezados e sofridos, é a carne do próprio Jesus.
Deus abençoe você!

Evangelho (Lc 16,19-31) 29/09/2013



— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.
— Glória a vós, Senhor!
Naquele tempo, Jesus disse aos fariseus: “19Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias.
20Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão, à porta do rico. 21Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico.
E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas.
22Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado.
23Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado.
24Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim!
Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’.
25Mas Abraão respondeu: ‘Filho, lembra-te que tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, por sua vez, os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. 26E, além disso, há um grande abismo entre nós; por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós’.
27O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa do meu pai, 28porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não venham também eles para este lugar de tormento’.
29Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas, que os escutem!’
30O rico insistiu: ‘Não, Pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter’.
31Mas Abraão lhe disse: ‘Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos’”.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

4. Hermenêutica


1. Conceito
A palavra 'hermenêutica' vem do verbo 'hermenêuein' (interpretar). E esta interpretação foi entendida diversamente através dos tempos. Por isso, temos três tipos de exegese: l. rabínica; 2. protestante; 3. católica.
2. Exegese Rabínica
Os judeus interpretavam a escritura ao pé da letra, por causa da noção de inspiração que tinham. Se uma palavra não tinha sentido perceptível imediatamente, eles usavam artifícios intelectuais, para lhes dar um sentido, porque todas as palavras da Bíblia tinham que ter uma explicação. O exemplo do paralítico é antológico: ele passara 38 anos doente. Por que 38? Ora, 40 é um número perfeito, usado várias vezes na vida de Cristo (antes da ressurreição, no jejum) ou também no AT (deserto, Sinai). Dois é outro número perfeito, porque os mandamentos (vontade) de Deus se resumem em "2": amar Deus e ao próximo. Portanto, tirando um número perfeito de outro, isto é, tirando 2 de 40 deve dar um número imperfeito (38) que é número de doença...
Alegoria pura: neste sentido se entende a condenação de certas teorias que apareceram e eram contrárias à Bíblia (caso de Galileu). Assim era a exegese antiga. No século XVIII, o racionalismo fez o extremo oposto desta doutrina: negaram tudo que tinha alguma aspecto de sobrenatural e mistério, e procuravam explicações naturais para os fatos incompreensíveis, assim por exemplo, dizendo que Cristo hipnotizava os ouvintes e os iludia dizendo que era milagre. JC não ressuscitou, mas ele apenas havia desmaiado na cruz, e quando tornou a si saiu do sepulcro... Talvez não o fizessem por maldade. Era por principio filosófico.
A Igreja primitiva herdou muito do rabinismo, no início, mas depois se libertou. Começaram por ver na Bíblia vários sentidos: literal, pleno e acomodatício. Literal: sentido inerente ás palavras, expressão pura e simples da idéia do autor; Pleno: fundado no literal, mas que tem um aprofundamento talvez nem previsto pelo autor. Deus pode ter colocado em certas palavras um significado mais profundo que o autor não percebeu, mas que depois se descobre. Deus, como autor, fez assim. A palavra do profeta se refere a uma situação histórica; a palavra de Deus se refere ao futuro. Acomodatício: é a acomodação a um sentido à parte que combina com as palavras. É a Bíblia aplicada à realidade apenas pela coincidência dos textos. Por exemplo, em Mt se lê "do Egito chamei meu filho"... para que se cumprisse a Escritura. Mas o sentido, ou seja, a aplicação original deste trecho não se referia à volta da Sagrada Família, mas sim à saída do Povo do Egito. Esta acomodação foi explorada demasiadamente pelos pregadores, que até abusaram disto. Outro exemplo de acomodação é a aplicação a Maria dos textos do livro da Sabedoria. Estes são mais literatura que Escritura. Todavia, crendo-se na inspiração, aceita-se que as palavras do autor podem ter uma significação mais profunda que a original.
3. Exegese Protestante
Surgiu do protesto de alguns cristãos contra a autoridade da Igreja como intérprete fiel da Bíblia. Lutero instituiu o princípio da "scritura sola" (traduzindo, a escritura sozinha), sem tradição, sem autoridade, sem outra prova que não a própria Bíblia. A partir daquele instante, os Protestantes se dedicaram a um estudo mais acentuado e profundo da Bíblia, antecipando-se mesmo aos católicos. Mas o princípio posto por Lutero contribuiu para um desastre hermenêutico, pois ele mesmo disse que cada um interpretasse a Bíblia como entendesse, isto é, como o Espirito Santo o iluminasse.
Isto fez surgir várias correntes de interpretação, que podem se resumir em duas: a conservadora e a racionalista. A conservadora parte daquele principio da inspiração = ditado, em que se consideram até os pontos massoréticos como inspirados. Não se deve aplicar qualquer método cientifico para entender o que está escrito. É só ler e, do modo que Deus quiser, se compreende. A racionalista foi influenciada pelo iluminismo e começou a negar os milagres. Daí passou à negação de certos fatos, como os referentes a Abraão. Afirmam que as narrações descritas, como provam o vocabulário, os costumes, são coisas de uma época posterior, atribuído àquela por ignorância. Esta, teoria teve muito sucesso e começaram a surgir várias 'vidas' de Jesus em que ele era apresentado como um pregador popular, frustrado, fracassado...
Outros ainda interpretavam o Cristianismo dentro da lógica hegeliana: São Paulo, entusiasmado, teria feito uma doutrina, que atribuiu a JC (tese); depois São João, com seu Evangelho constituiu a antítese; finalmente São Marcos fez a síntese. Hoje, porém, se sabe que Marcos é o mais antigo. Estes intérpretes se contradizem entre si, o que provocou uma certa desconfiança. Por fim, a própria arqueologia, em auxílio do Cristianismo, veio provar com a descoberta de vários documentos históricos que a Bíblia tinha razão: aqueles costumes, aquele vocabulário eram realmente daquela época, inclusive o uso dos nomes Abraão, Isaac também eram comuns no tempo. Isto e outras coisas serviram para desmentir tais idéias iluministas.
4. Exegese Católica
Inicialmente, apegou-se muito aos métodos tradicionais: usava mais a tradição e menos a Bíblia. Mesmo no século XIX, a tendência era ainda conservar a apologética, a defesa da fé. Foi o Padre Lagrange quem iniciou o movimento de restauração da exegese católica. Começou a comentar o AT com base na critica histórica. Mas foi alvo tantos protestos que não teve coragem de continuar. Em seguida, comentou o NT, e ainda hoje é autoridade no assunto. A Igreja Católica custou muito a perceber o seu atraso no estudo bíblico, e até bem pouco tempo ainda afirmava ser Moisés o autor do Pentateuco, quando os protestantes há mais de um século já descobriram que não.
O primeiro passo da nova exegese da Igreja Católica foi dado por Pio XII, em 1943, com a encíclica DIVINO AFFLANTE SPIRITU, na qual aprovou a teoria dos vários gêneros literários da Bíblia. Depois, em 1964, Paulo VI aprovou um estudo de uma comissão bíblica a respeito da história das formas (formgeschichte). E hoje em dia, tanto os exegetas católicos como os protestantes são a favor desta, e qualquer livro sério sobre o assunto traz este aspecto. Protestantes citam católicos e vice versa, sem nenhuma restrição.

3. Origem e Formação da Bíblia

1. Indícios e evidências históricas

O período histórico da formação da Bíblia situa-se entre 1100 a. C. ou 1200 a. C. a 100 d. C. Provavelmente, a mais antiga parte escrita da Bíblia é o Cântico de Débora, que se encontra no livro dos Juízes (Jz, 5).
Quando os hebreus chegaram a Canaã, já havia na terra um certo desenvolvimento literário, como por exemplo, o alfabeto fenício (do qual se derivou o hebraico), que já existia no século XIV a. C. Os judeus chegaram lá por volta do século XIII a.C. Outro documento desta época é o calendário de Gezér, que data mais ou menos do ano 1000 a.C. É uma indicação de datas para uso dos agricultores. É o documento mais antigo encontrado na Palestina. Outro documento também muito antigo é o sarcófago do Rei Airam, que contém uma inscrição e foi encontrado nos séculos XIV ou XV a. C., em Biblos. Há ainda umas tabuletas encontradas em Ugarit (em 1929), onde estão escritos uns poemas semelhantes aos salmos, datando dos séculos XIV ou XV a. C.
Além destes, há outros documentos provando que já havia uma escrita na Palestina, antes dos hebreus chegarem lá. A inscrição do túmulo de Siloé (700 a. C.), explicando como foi feito; os "óstracon", de Samaria, onde há uma espécie de carta diplomática, são documentos que provam a continuidade de uma atividade literária. Em Juizes 8,14, o autor descreve um acontecimento ocorrido mais ou menos em 1100 a.C. E em que língua foi escrito este fato pela primeira vez, na época em que aconteceu? Provavelmente no alfabeto fenício (pré-hebraico).
2. A tradição oral e a tradição escrita
A parte mais antiga da Bíblia remonta justamente deste tempo (1100 a.C.), quando a escrita ainda não estava bem definida, e é oral. Desde este tempo já se fora criando uma tradição, que existia oralmente e era transmitida aos novos pelos mais velhos nas reuniões que havia nos santuários. Por este tempo, só eram relatados os acontecimentos do deserto, do Sinai, da aliança de Deus com o povo. Mas os jovens queriam saber o que havia acontecido antes disto. Então foram sendo compostas as histórias dos Patriarcas. Mas, e antes deles, antes de Abraão? Passaram à história da criação do mundo. Por isso, se afirma que a parte mais antiga da Bíblia é o Cântico de Débora, no livro dos Juizes. A partir daí, fez-se um retrospecto didático-histórico.
Como dissemos, estas histórias iam sendo passadas oralmente de pai a filho, nos santuários. Acontece que nem todos iam para os mesmos santuários, o que motivou a existência de pequenas diferenças na catequese do norte e na do sul. A tradição do sul foi chamada de JAVISTA (J), pois Deus era tratado sempre por Javé; a do norte se chamou ELOISTA (E), porque Deus era tratado como Eloi.
A tradição oral existiu até os tempos de Daví, quando foi escrita a tradição javista; meio século depois, foi escrita também a eloista. Por volta de 721 a.C., na época, da divisão dos reinos, quando Samaria foi destruída pelos assírios, muitos sacerdotes do norte fugiram para o sul e levaram consigo a sua tradição. A partir de então, as duas foram compiladas num só escrito.
Falamos das duas tradições: uma do norte e outra do sul. Mas não existiam apenas estas duas, que são as principais. Há ainda a DEUTERONOMICA (D), encontrada casualmente em 622 a. C. por pedreiros, que trabalhavam num templo. Corresponde ao livro Deuteronômio da Bíblia atual. Após esta, surgiu a SACERDOTAL (P), nova compilação das catequeses antigas de Israel, datada do século VI a.C. Ao fim, estas quatro tradições foram combinadas entre si e compiladas em 5 volumes, dando origem ao Pentateuco da Bíblia atual. Na tradição Javista, Deus é antropomórfico. Na Sacerdotal, Deus é poderoso, está acima do tempo, o que significa um progresso no conceito de Deus que o povo tinha. A redação do Pentateuco se deu pelo ano 398 a.C. e compreendia a primeira parte da Bíblia judaica.
A partir de Josué, a tradição continuou oral, para ser escrita somente por volta de 550 a.C. E foram escritas do modo como o povo contava. Por isso não se pode dar a mesma importância histórica aos fatos descritos nestes livros em relação a outros posteriores, pois alguns fatos narrados foram baseados na tradição popular, enquanto que outros foram baseados em documentos de arquivos (anais do Reino). Este é um grande desafio para os estudiosos e também uma fonte de divergências.
3. Os Intérpretes - Profetas e Sábios
Durante muito tempo, os profetas foram os orientadores do povo de Deus. Os livros proféticos resumem os seus ensinamentos, e na sua maioria foram escritos só mais tarde, por seus seguidores. Somente por volta do ano 200 a.C. é que foram redigidos os livros proféticos. Os livros Sapienciais foram o resultado de um estilo literário que esteve em moda durante muito tempo, na época posterior ao exílio. São umas reflexões humanistico-religiosas. Passados os profetas, surgiram os sábios que raciocinavam sobre as coisas da natureza, tirando delas ensinamentos para a vida. Foram acrescentados aos livros sagrados nos últimos séculos a.C., sendo os mais recentes livros do AT.
4. A nova tradição da era cristã
O NT não foi escrito com a finalidade de ser acrescentado à Bíblia. No tempo de Cristo e dos Apóstolos, o livro sagrado era apenas o AT. O próprio Jesus Cristo se baseava nele em suas pregações. E Ele mandou apenas pregar, e não escrever. Foi quando uma nova tradição oral foi se formando. E após a morte de Cristo, os apóstolos saíram pregando.
Mas veio a necessidade de congregar outras pessoas para o anúncio, em vista do grande número de comunidades existentes. Então, começaram a escrever. Mais tarde, com a aceitação também de cidadãos estrangeiros nas comunidades, a mensagem precisou ser traduzida e adaptada. Além disso, o próprio povo necessitava de uma escrita (doutrina escrita) para se conservar una, após a morte dos Apóstolos. Esta redação, no início, era apenas de alguns escritos esparsos, que só depois de algum tempo foram juntos em livros. Exemplo disso está em Mc 2, uma série de disputas de JC com os Judeus, onde se vê claramente que foi recolhida de escritos separados. Também em João se lê: "Muitas outras coisas Jesus fez que não foram escritas..." (Jo 21,24) Isto significa que só foram escritas aquelas mensagens que teriam utilidade, conforme as necessidades momentâneas.
O evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, data dos anos 60 ou 70 d.C.; os de Lucas e Mateus, são de 70 ou 80, o que significa que somente após uns 40 anos da morte de JC sua palavra começou a ser escrita. 0 Evangelho de João só foi escrito em torno do ano 100 d.C. Antigamente, se acreditava ser Mateus o autor do primeiro Evangelho. Mas a critica histórica mostra que o de Marcos foi anterior. Aliás, a respeito deste evangelho de Mateus, não se sabe ao certo quem é o seu autor. Foi atribuído a Mateus, apenas por uma tradição e também por uma praxe da época de se atribuir um escrito a alguém mais conhecido e famoso, para que a obra tivesse mais autoridade.
5. Entendendo algumas dificuldades concretas
Durante o tempo anterior á escrita dos Evangelhos, havia apenas a pregação dos Apóstolos, recordando os fatos da vida de Cristo, todavia eram fatos esparsos, sem nenhuma preocupação com seqüência ou unidade. Por isso os Evangelhos, que foram esta pregação escrita, se contradizem em algumas datas, o que mostra a pouca importância dada à cronologia. Os fatos eram recordados e aplicados, conforme as necessidades. Assim, até entre os Evangelhos sinóticos, que seguiram a mesma fonte, há diversificações. Por exemplo, no Sermão da Montanha, em Lucas fala "bem aventurados os pobres"; e em Mateus, "bem aventurados os pobres de espírito". A diferença consiste no seguinte: Lucas deu um sentido social, mais importante para as comunidades gregas, para as quais escrevia. Mas o de Mateus destinava-se às comunidades judias e queria combater uma doutrina dos judeus que tinham uma idéia falsa de pobreza. Para eles, o próprio fato de a pessoa ser pobre, já lhe garantia a salvação, enquanto outra pessoa, pelo simples fato de ser rica, já estava condenada. Por causa disso ele escreveu "pobres de espírito".
Outro ponto de discordância é o caso da cura de um cego. Mateus diz "um cego, na saída de Jericó"; e Lucas "dois cegos, na entrada de Jericó". 0 fato da 'entrada' e 'saída' pode ser explicado pela existência de duas cidades chamadas Jericó. 0 fato de serem um ou mais cegos explica-se pelo seguinte: era comum naquele tempo os cegos formarem grupos em torno de um cego-lider; e o nome deste geralmente era o do grupo. No entanto, estes detalhes pouco importam ao evangelho. 0 seu interesse é a apresentação da mensagem (evangélion = boa nova).
6. A fonte comum
Os Evangelistas sinóticos se basearam no Evangelho de Marcos e noutra fonte, convencionada por fonte "Q", simbolizando os inúmeros escritos esparsos de que já tratamos. Espalharam cópias destes por outras partes do mundo. Lucas, Mateus, cada um em lugares diferentes, se inspiraram nos escritos disponíveis e inclusive no evangelho de Marcos, que na época já havia sido escrito. O fato do primeiro Evangelho ser atribuído anteriormente a Mateus se deve a uma afirmação de Eusébio de que Mateus escrevera a "logia" do Senhor em aramaico. Mas a crítica histórica provou que o Evangelho que conhecemos não traz apenas a "logia" do Senhor e não foi escrito em aramaico, e sim em grego. Portanto a noticia de Eusébio se refere a outro escrito, e não a este evangelho. Nada impede, porém, que tenha sido escrito por discípulos de Mateus e atribuído ao Mestre. Aliás, a respeito de "Evangelho", o primeiro a usar esta palavra para indicar as memórias dos Apóstolos foi S. Justino, em 130 d.C.
7. As Cartas
As cartas de Paulo foram enviadas para serem lidas em público. Em I Tes 5, 27 há uma alusão a isto. Havia também o intercâmbio das cartas, como se lê em Col 4,16: "mostrem esta carta para Laodicéia e tragam a de lá para vocês". Aos poucos as cartas foram colecionadas, e no fim do I século já se tem notícia delas, quando em II Ped 3,15 se lê: "...nosso irmão Paulo vos escreveu conforme o dom que lhe foi dado... " As cartas de Paulo foram os primeiros escritos do NT. Não se sabe quando os Evangelhos e elas foram acoplados, mas já no fim do I século estavam reunidos num só livro.
As Epistolas Católicas (universais) são chamadas assim por se destinarem à Igreja em geral, e não a tal ou qual comunidade, como fizera Paulo. Elas também se originaram da necessidade pastoral, e já no começo do II século estavam incorporadas aos outros escritos do NT. Os Atos dos Apóstolos podem ser considerados a continuação do terceiro Evangelho, pois também foi escrito por Lucas. E o Apocalipse de S.João, livro profético, foi acrescentado por último.
Nos escritos do NT, freqüentemente se encontram citações do AT. É que muitas vezes os Apóstolos queriam tirar dúvidas sobre certas passagens, que tinham falsa interpretação. Nas assembléias, eram lidos escritos do AT e do NT, para explicá-los. Exemplo disto temos em I Tes 4,15; I Cor 7,10.25.40; At 15, 28; I Tim 5,18; Lc 10,7.
8. O Cânon Sagrado
No século IV, a Igreja se reuniu em Concilio em Nicéia, e uma das tarefas era organizar o "cânon", ou a lista de livros sagrados considerados autênticos. Neste Concilio, os livros foram estudados e se investigou quais os que sempre foram lidos nos cultos e sempre foram considerados legítimos. E se estabeleceu a ordem ainda hoje conservada. O motivo pelo qual alguns livros foram postos em dúvida era a grande quantidade de livros apócrifos, que fazia com que se duvidasse dos verdadeiros. Havia muitos livros que os judeus não aceitavam. Então os Ss. Padres ponderaram os prós e contras e definiram a lista que foi aprovada.


Conhecendo a Bíblia Sagrada

Um dos principais conceitos a ser examinado para uma melhor compreensão da Bíblia é o de inspiração. O que significa dizer que os livros bíblicos são inspirados, de onde vem esta inspiração, até que ponto o que é escrito representa a mensagem de Deus ou do hagiógrafo (escritor sagrado)? Ao longo da história, os estudiosos procuraram esclarecer este conceito básico e, é claro, sempre houve divergências entre eles. Apresentamos aqui algumas reflexões sobre este importante conceito.
Na inspiração distinguimos dois aspectos: dogmático e especulativo.
O dogmático pode ser expresso como resposta à pergunta: por que acreditamos que a Bíblia é um livro inspirado? Isto não se pode provar pela própria Bíblia. Busca-se então provar pelo fundamento histórico. Os evangelhos, por exemplo, são históricos. Há uma tradição desde os tempos dos Apóstolos que cita a Escritura como autoridade divina ( Mt 1, 22; Mt 22, 31; Mc 7,10; Jo 10, 35; At 1,16; Lc 22, 37; Heb 3, 7; 10,15 ). Em 2Tim 3,16, aparece pela primeira vez a palavra 'theopneustos', ou seja, inspirada por Deus.
O especulativo pode ser expresso como resposta à pergunta: em que consiste a inspiração? Este é mais complicado e será exposto com mais detalhes.
a) Modo da inspiração
É muito discutido o modo como se dá a inspiração do escritor sagrado. Bañez afirmou que era um ditado. Mas em II Mac 2, 19-23, o autor se refere a um resumo de 5 livros em um só, cujo resumo lhe custou "suores e noites de vigília". Como é que foi um ditado se houve o esforço dele para elaborar a síntese? Do mesmo modo Lucas (Lc l,1) escreve: "depois de haver diligentemente investigado tudo desde o principio, resolvi escrever... ", logo não foi simplesmente um 'ditado' da parte de Deus.
Em reação à teoria do ditado veio outra que disse o contrário: a inspiração é a aprovação que a Igreja dá ao livro. O fato estar colocado no cânon é a garantia da própria inspiração. Esta tese foi defendida por poucos e não teve grande aceitação nos meios católicos.
O Cardeal Franzelin propôs uma nova fórmula: nem tudo é de Deus nem tudo é do homem, mas as idéias são de Deus e as palavras são do homem. Obteve um certo sucesso, mas ainda não explicou de todo. Sto. Tomás de Aquino propusera a teoria da "causa instrumental": são os dois ao mesmo tempo - Deus e o Homem. Ambos estão presentes em toda a obra, Um é o autor principal e o outro o autor secundário. A inspiração eleva, sublima as faculdades do autor. Pode até ser admitida esta teoria, entretanto, convém lembrar que tudo que está na Bíblia é inspirado, embora nem tudo seja revelado.
b) Funcionamento psicológico da inspiração
Em II Mac, conforme mencionado acima, o autor se refere a um resumo do livro que um certo Jazão escreveu. De 5 volumes ele reduziu a um só. Como dizer que isto é palavra inspirada por Deus, como se explica aí a inspiração divina?
Comecemos por analisar as operações do intelecto: apreensão, juízo e raciocínio. Elas seguem um grau de aprofundamento e refinamento do saber. Pode-se ter uma inspiração de Deus logo no primeiro momento (na apreensão), como se pode ter depois, no juízo ou também nos dois. Quando a inspiração é logo na apreensão, se diz 'revelação'. Quando, como no caso do II Mac, a apreensão é do autor, a inspiração se dá no segundo momento, ou seja, no juízo, enquanto na apreciação que ele faz da obra está sendo iluminado pelo Espírito Santo. Na confecção destes livros, a questão da inspiração é que o autor estava iluminado pelo Espirito Santo para dizer o fato corretamente, sem poder errar no julgamento. Embora ele não esteja consciente disso, a ação do Espírito Santo está sendo exercida no seu intelecto.
Mas, pode-se questionar: como se sabe se ele foi ou não inspirado quando nem ele mesmo pode perceber isso? Aí passa a ser uma questão de fé. Tenta-se explicar o fato, mas não se afirma que seja assim. 0 discernir se o livro é ou não inspirado, dado o que acontece com o autor, é alçada da Igreja, que também é inspirada pelo Espírito Santo. É uma questão fundamentalmente de fé.
Por isso, para a definição do livros autênticos, reconhecidos pela Igreja Católica, os Cânones foram aprovados em Concílios, nos quais se discutiram certas dúvidas a respeito de alguns livros, se eram ou não inspirados. Nas discussões, procurou-se ver na historia da Igreja, desde os cristãos primitivos até aquela época, quais os livros que durante os séculos sempre foram lidos nas Igrejas e, baseada no consenso, ela constituiu o cânon. Sem dúvida, a tradição antiga é mais fidedigna, pois está mais próxima dos tempos apostólicos.
Mas, voltando ao conceito do juízo, ele pode ser especulativo ou prático. Especulativo quando tem por fim o verdadeiro; prático guando tem por fim o bem. No caso de Jonas, por exemplo, o juízo do autor não foi especulativo, mas prático. Jonas teve o sonho em que Deus o mandava pregar em Nínive. Ora, raciocinou ele, Javé é Deus de Israel, e não deve ser falado aos pagãos. Então tomou o navio para outro lugar, e aí entra a história da baleia... A finalidade do autor era convencer a todos que Javé era o Deus universal, contra uma certa corrente judia que negava fato, ou melhor, não gostava da idéia.
Para se entender cada página da Bíblia deve-se ter em mente a finalidade, a intenção do autor ao escrever cada parte do livro. Não se pode abrir o livro em qualquer parte e ler tudo com o mesmo espirito. Na antiga concepção de inspiração (ditado) não se considerava este problema. Tudo que lá estava se acreditava "ao pé da letra". Não se podia duvidar. Mas esta é hoje uma prática mais comum em algumas igrejas protestantes, geralmente praticada por pessoas com conhecimentos teológicos limitados e reducionistas.
Uma conseqüência direta da inspiração é o dom da inerrância. Se o livro é inspirado, logo o que contém é verdade. Porém esta verdade não está ali imediatamente evidente, ela precisa ser alcançada pela reflexão animada pela fé, ou seja, a razão e a fé ajudando-se mutuamente.


BÍBLIA SAGRADA

1. Prólogo

A Bíblia é um livro difícil. Difícil porque é antigo, foi escrito por orientais, que têm uma mentalidade bem diferente da greco-romana, da qual nós descendemos. Diversos foram os seus escritores, que viveram entre os anos 1200 a.C. a 100 d.C. Isso, sem contar que foi escrita em línguas hoje inexistentes ou totalmente modificadas, como o hebraico, o grego, o aramaico, fato este que dificulta enormemente uma tradução, pois muitas vezes não se encontram palavras adequadas.
Outra razão para se considerar a Bíblia um livro difícil é que ela foi escrita por muitas pessoas, ás vezes até desconhecidas e em situações concretas as mais diversas. Por isso, para bem entendê-la é necessário colocar-se dentro das situações vividas pelo escritor, o que é de todo impraticável. Quando muito, consegue-se uma aproximação metodológica deste entendimento.
Além do mais, a Bíblia é um livro inspirado e é muito importante saber entender esta inspiração, para haurir com proveito a mensagem subjacente em suas palavras. Dizer que a Bíblia é inspirada não quer dizer que o escritor sagrado (ou hagiógrafo) foi um mero instrumento nas mãos de Deus, recebendo mensagens ao modo psicográfico. É necessário entender o significado mais próprio da 'inspiração' bíblica, assunto que será abordado na continuação.
Entre os católicos, o interesse por conhecer a Bíblia praticamente começou após o Concílio Vaticano II, ou seja, a partir dos anos '60, enquanto os Protestantes há muito se interessam por estudá-la. Não quero adentrar aqui na histórica polêmica religiosa que cerca a leitura e a interpretação da Bíblia, ressuscitando vetustas divergências. Apenas vale salientar que uma série de enganos podem advir de uma interpretação bíblica literal, porque uma interpretação ao "pé da letra" não revela o sentido mais adequado de todas as palavras.
Para que não aconteça conosco incidir neste equívoco, devemos aprender a nos colocar na situação histórica de cada escritor em cada livro, conhecer a situação social concreta da sociedade em que ele viveu, procurar entender o que aquilo significou no seu tempo e só então tentar aplicar a sua mensagem ás nossas circunstâncias atuais.
1. O que é a Bíblia?
Definição do Concilio Vaticano II:
"A Bíblia é o conjunto de livros que, tendo sido escritos sob a inspiração do Espirito Santo, têm Deus como autor, e como tais foram entregues à Igreja".
TESTAMENTO (novo ou antigo): é a tradução da palavra hebraica "berite" que significa a aliança de Deus com o povo por Moisés. Na tradução dos 70 a palavra "berite" foi traduzida por "diatheke", que em grego quer dizer aliança, contrato, testamento.
OBS: A 'tradução dos 70' é uma das versões mais antigas da Bíblia. Segundo a tradição, este trabalho teria sido realizado por 70 sábios da antiguidade.
2. Quais as partes que compõem a Bíblia?
A Bíblia se divide em duas partes principais: o Antigo Testamento e o Novo Testamento. O Antigo refere-se ao período anterior a Jesus Cristo e o Novo se refere ao período cristão. Cada uma destas partes se compõe de diversos 'livros', escritos em épocas históricas diferentes. A seguir, a relação dos livros com uma breve referência ao conteúdo deles.
LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO
  1. Pentateuco (cinco primeiros livros: Gênesis, Êxodo, Levitico, Números, Deuteronômio)
  2. Josué (narra a entrada do povo de Deus na Palestina)
  3. Juizes (narra a conquista da Palestina)
  4. I e II de Samuel (relatos da época de Saul e Davi, continuação da conquista)
  5. I e II dos Reis (relatos sobre Salomão e seus sucessores)
  6. I e II das Crônicas (continuação dos relatos sobre os outros Reis)
  7. I e II dos Macabeus (continuação do período dos Reis)
  8. Livro de Rute (faz alusão ao universalismo. Noemi era pagã e se inseriu no povo de Deus).
  9. Livro de Tobias, Livro de Judite, Livro de Ester (pertencem ao gênero de contos. São livros do tempo do exílio, quando se apresentavam exemplos de abnegação ao povo oprimido, convidando-os a suportar o sofrimento).
  10. Livro de Isaías (cap.l a 39 são do próprio escritor; cap. 40 a 55 são de discípulos; cap.56 a 66 são de outros escritores posteriores)
  11. Livro de Jeremias (ditado por este a Baruc, seu secretário)
  12. Livro de Ezequiel (um dos profetas maiores)
  13. Livro de Daniel (tem um conteúdo apocalíptico )
  14. Livro de Jó (do gênero conto, procura demonstrar que não só os bons são felizes. Tem por objetivo combater uma idéia comum de que só os ricos eram os abençoados por Deus).
  15. Livros Sapienciais (Eclesiastes ou Qohelet; Eclesiástico ou Siráside; Provérbios, Sabedoria e Cântico dos Cânticos). São reflexões de cunho acentuadamente humanístico, aproveitamento do saber oriental.
  16. Livro dos Salmos (coleção de cantos litúrgicos).
  17. Profetas Menores: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias (chamados menores não com relação à sua importância, mas ao tamanho de seus escritos).
LIVROS DO NOVO TESTAMENTO
  1. Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas - têm muitas semelhanças entre si ).
  2. Evangelho de João (maior desenvolvimento teórico, influência filosófica de época)
  3. Atos dos Apóstolos (narram a missão dos apóstolos após a Ressurreição de Cristo)
  4. Epístolas de Paulo (historicamente, os primeiros escritos do NT)
  5. Epístolas Católicas (Pedro, Tiago, Judas): dirigidas a todos os fiéis, por isso, universais.
  6. Apocalipse (escrito por João, na base de códigos, símbolos).