Por José Maria Mayrink
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) decidiu, em sua
última assembleia geral, reunida em Aparecida na segunda quinzena de
abril, aproveitar a comemoração dos 50 anos do Concílio Vaticano II para
revitalizar as reformas que, sob a liderança dos papas João XXIII e
Paulo VI, revolucionaram a vida da Igreja no século 20.
Em vez de apoiar a proposta de convocação de um novo concílio, o
Vaticano III, objeto de uma petição com mais de 10 mil assinaturas,
enviada a João Paulo II em 2002, os bispos preferem refletir sobre os
documentos do Vaticano II, para refletir sobre seus valores, corrigir
eventuais exageros e adaptar a legislação da Igreja às circunstâncias e
exigências do mundo de hoje.
“Não é o caso de reunir um novo concílio, mas sim de retomar e viver em
profundidade o Vaticano II, aquilo que se propôs Bento XVI, que foi
teólogo perito do concílio”, disse o cardeal-arcebispo de São Paulo, d.
Odilo Scherer, coordenador do Grupo de Trabalho para as comemorações do
cinquentenário. Reviver o Concílio, observou o cardeal, significa
“progredir na determinação na aplicação de suas decisões”, em sintonia
com o papa.
O arcebispo da Paraíba, d. Aldo Pagotto, contrário à proposta de um novo
concílio, afirma que é necessário voltar à fonte, para valorizar as
riquezas do Vaticano II e combater os excessos que surgiram em nome da
modernidade, como, por exemplo, a “politização da liturgia”. Questões
como o celibato dos padres. a ordenação de mulheres e o acesso dos
recasados à participação plena na eucaristia, não justificariam um novo
concílio, “porque essas são questões já dirimidas por João Paulo II e
Bento XVI e estão fora de discussão”.
Mesmo bispos que assinaram a petição de 2002 - foram 25 no Brasil, entre
eles o cardeal d. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo -
descartam a necessidade de um novo concílio nos moldes do Vaticano II.
“Receio que um concílio formal agora, na conjuntura atual, leve a
posições mais retrógradas”, disse o bispo de Jales (SP), d. Demétrio
Valentini. Dez anos atrás, ele aderiu ao movimento internacional
Proconsil, que nasceu na Espanha e ganhou milhares de adesões pelo mundo
afora.
Tendência. D. Demétrio defende uma posição que coincide com a do
Proconcil atualmente - a recuperação da “conciliariedade”, que significa
valorização das conferências episcopais. As conferências, argumenta,
tornaram-se instrumentos de retransmissão do governo central da Igreja,
em vez de serem agentes de adaptação, para darem respostas adequadas às
necessidades do mundo. “Isso implicaria em incentivar as dioceses a
abrir as portas para a participação dos leigos e particularmente das
mulheres”, observou d. Demétrio.
É um campo de ação que, segundo o bispo de Jales, não depende de um
concílio formal. “Pode-se ouvir os bispos pela internet, pois a
tecnologia abre a possibilidade, para a prática eclesial, de envolver
todos os católicos na participação da vida da Igreja”, explicou d.
Demétrio. Membro do conselho sinodal do Sínodo da América, que reuniu
bispos do continente com o papa em Roma, em 1997, ele propõe que o
sínodo - “uma miniatura de concílio” - seja deliberativo, em vez de só
oferecer subsídios para o papa.
A coordenadora internacional do Proconcil, Emilia Robles, esclareceu,
respondendo ao Estado por e-mail, que o movimento não está pedindo ao
papa a convocação de um concílio tradicional. “Não o propomos agora como
uma panaceia, mas também não nos assustaremos se ele vier a ocorrer”,
afirmou.
Mais que um evento, o Proconcil sugere um processo que supõe a
participação de toda a Igreja, o desenvolvimento da conciliaridade ou
valorização de espaços como conferências de bispos, sínodos, assembleias
e conselhos paroquiais.
Dois bispos brasileiros, hoje eméritos, que assinaram a petição por um
novo concílio em 2002, desistiram da ideia, porque o atual episcopado,
de perfil conservador e submisso à Cúria Romana, levaria a um retrocesso
em relação às conquistas do Vaticano II. Os dois pediram para não serem
identificados, “para não magoar os irmãos” que estão na ativa. “Melhor
não inventar moda”, comentou o arcebispo emérito de Porto Velho (RO), d.
Moacyr Grechi, outro signatário da petição que agora apoia a proposta
da CNBB.
A sugestão de convocação de um novo concílio foi feita pela primeira vez
pelo cardeal Carlo Maria Martini, então arcebispo de Milão, no sínodo
dos bispos europeus, em 1999.