sábado, março 03, 2012

A crise do estudo e da pesquisa teológica

Começou em Regensburg a Assembleia Geral de Primavera da Conferência Episcopal Alemã. Os bispos irão tratar, dentre outras coisas, da situação das faculdades de teologia.

 A situação não é simples: registra-se uma diminuição no número do estudantes não só entre os candidatos ao presbiterado. Algumas faculdades teológicas custam para reunir um número suficiente de pesquisadores.

A situação da teologia, das faculdades, das jovens levas de estudantes de teologia católica: tudo isso remete a outra coisa. A Igreja na Alemanha – mas não nos iludamos: as coisas não estão tão diferentes em outros países europeus – está vivendo uma mudança muito profunda. Não se trata apenas da escassez de padres, nem do fato de que as paróquias são reunidas em unidades pastorais, de que em alguns lugares há menos celebrações presididas por padres, ou de que casas de ordens religiosas são fechadas – trata-se de muitas outras coisas.

Tanto com relação à fé pessoal do povo, quanto às estruturas e às instituições da Igreja, ao longo dos séculos, havia se mantido um certo nível. Mas que está caindo pouco a pouco. As mudanças que se preanunciam têm consequências sobre todas as áreas imagináveis.

Certamente, isso não se originou simplesmente no Concílio e nas suas decisões, como alguns tradicionalistas ainda querem fazer acreditar. Ao contrário, sem o Concílio, a situação seria ainda mais dramática. A mudança faz parte da cultura humana. Ninguém se senta no painel de controle para fazer girar para trás os ponteiros do desenvolvimento.

"Para trás" é ainda a expressão equivocada. No fundo, deveríamos nos pôr sistematicamente em busca de fé e religião, da Igreja e do catolicismo do mundo de amanhã. Sem que ninguém possa dizer presunçosamente que sabe como as coisas poderão ser. Infelizmente, em geral, faz-se pouco essa busca e, principalmente, de modo muito pouco coordenado.

Será importante a atitude que a Igreja irá assumir com relação ao mundo moderno. Olhar para a cultura contemporânea com olhos carrancudos certamente não seria de grande ajuda.

A força humanizadora de Jesus Cristo

José Antonio Pagola, teólogo espanhol, comenta o Evangelho deste domingo.


A Transfiguração - Bellini (Foto: )
O relato da “transfiguração de Jesus” foi desde o início muito popular entre os Seus seguidores. Não é um episódio a mais. A cena, recreada com diversos recursos de carácter simbólico, é grandiosa. Os evangelistas apresentam Jesus com o rosto resplandecente enquanto conversa com Moisés e Elias. Os três discípulos que o acompanharam até o cume da montanha ficam surpreendidos. Não sabem o que pensar de tudo aquilo. O mistério que envolve Jesus é demasiado grande. Marcos diz que estavam assustados.

A cena culmina de forma estranha: “Formou-se uma nuvem que os cobriu e saiu da nuvem uma voz: Este é o Meu Filho amado. Escutai-O”. O movimento de Jesus nasceu escutando a Sua chamada. A Sua Palavra, recolhida mais tarde em quatro pequenos escritos, foi engendrando novos seguidores. A Igreja vive escutando o Seu Evangelho.

Esta mensagem de Jesus encontra hoje muitos obstáculos para chegar até os homens e mulheres do nosso tempo. Ao abandonar a prática religiosa, muitos deixaram de escutá-Lo para sempre. Já não ouvirão falar de Jesus senão de forma casual ou distraída.

Tampouco quem se aproxima das comunidades cristãs pode apreciar facilmente a Palavra de Jesus. A Sua mensagem se perde entre outras práticas, costumes e doutrinas. É difícil captar a sua importância decisiva. A força libertadora do Seu Evangelho fica por vezes bloqueada pela linguagem e por comentários alheios ao Seu espírito.

No entanto, também hoje, o único decisivo que nós cristãos podemos oferecer à sociedade moderna é a Boa Nova proclamada por Jesus, e o Seu projeto de uma vida mais sã e digna. Não podemos continuar a reter a força humanizadora do Seu Evangelho.

Temos de fazer que corra limpa, viva e abundante pelas nossas comunidades. Que chegue até aos lares, que a possam conhecer quem procura um sentido novo para as suas vidas, que a possam escutar quem vive sem esperança.
Temos de aprender a ler juntos o Evangelho. Familiarizar-nos com os relatos evangélicos. Colocar-nos em contato direto e imediato com a Boa Nova de Jesus. Nisso temos de consumir as energias. Daqui começará a renovação da qual necessita hoje a Igreja.

Quando a instituição eclesiástica vai perdendo o poder de atração que teve durante séculos, temos de descobrir a atração que tem Jesus, o Filho amado de Deus, para aqueles que procuram a verdade e a vida. Dentro de poucos anos, daremos conta de que tudo nos está a empurrar para pôr mais fidelidade a Sua Boa Nova no centro do cristianismo.

Textos da Liturgia - 2°. Domingo da Quaresma

O DOM DO FILHO QUERIDO DE DEUS POR NÓS

1ª leitura: (Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18) Abraão obediente até o sacrifício de seu filho único – Pedindo que Abraão sacrificasse seu Filho, Deus não apenas testou sua obediência, mas colocou em questão todo o futuro de sua descendência. Será que Deus precisa de tais provas para saber se o homem lhe é fiel? Ou será que a fidelidade e a confiança só crescem quando são provadas? Prestes a sacrificar toda segurança, o homem se torna realmente livre; e é assim que Deus o quer, para que seja seu aliado. * Cf. Eclo 44,21[20]; Hb 11,17-19; Tg 2,21-22; Jo 3,16; Rm 8,32.
2ª leitura: (Rm 8,31b-34) Deus não poupou seu único Filho – Quem de fato sacrifica seu filho não é Abraão, mas Deus mesmo: prova de seu amor por nós, que não conseguimos imaginar, mas no qual acreditamos firmemente. * 8,32 cf. Gn 22,16; Rm 5,6-11; 1Jo 4,10; Jo 3,16 * 8,33-34 cf. Is 50,8-9; Hb 7,25.
Evangelho: (Mc 9,2-10) Manifestação de Jesus como filho querido de Deus – A glorificação de Jesus no monte Tabor, diante de seus discípulos, completa a profissão de fé dos discípulos e o anúncio da Paixão, que eles não entenderam. É preciso que tenham diante dos olhos ambas as realidades do mistério de Cristo: a cruz e a glória. A voz da nuvem proclama Jesus messias. Já não se dirige a Jesus, como no batismo (1,11), mas aos discípulos (9,7). Jesus recebe o testemunho de Moisés e Elias, “a Lei e os profetas”. Só depois de sua ressurreição, os discípulos entenderão esta visão. * 9,2-8 cf. Mt 17,1-8; Lc 9,28-36; Ex 24,16-18; Mc 16,5; 2Pd 1,16-18; 2Cor 3,18 * 9,9-10 cf. Mt 17,9-13.

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Hoje, a liturgia nos concede uma espiadinha no céu: Jesus revela sua glória diante de seus discípulos (evangelho). Devemos situar esta visão no contexto que Mc criou ao conceber a estrutura fundamental dos evangelhos escritos. Na primeira parte de sua atividade, Jesus se dirige às multidões mediante sinais e ensinamentos, que deixam transparecer sua “autoridade” (cf. primeiros domingos do Tempo Comum), mas não dizem nada sobre seu mistério interior. Na segunda metade (a partir de 8,27), Jesus revela – não à multidão, mas aos Doze, futuras testemunhas de sua missão – seu mistério interior: sua missão de Servo Padecente (melhor, Filho do Homem padecente) e sua união com o Pai. O que foi confiado a Jesus pessoalmente, pelo Pai, na hora do Batismo, quando a “voz da nuvem” lhe revelou: “Tu és meu filho amado, no qual está meu agrado” (Mc 1,11), é agora revelado aos discípulos: “Este é meu filho amado; escutai-o”. O mistério do Enviado de Deus não é mais reservado ao próprio Jesus; é comunicado aos que deverão continuar sua missão. E lhes é revelado, embora não entendam (9,10; cf. 8,32-33), ou melhor, porque não entendem, pois aproxima-se o momento em que eles deverão enfrentar o escândalo da cruz. Por isso, por uma frestinha, podem enxergar pedacinho do céu. E gostam: “Façamos aqui três tendas...”, diz Pedro. Porém, “ele não sabia o que estava dizendo” (9,6). Pois Jesus não podia ficar onde estavam. Devia caminhar. Não há glória sem cruz, não há Páscoa sem Semana Santa (cf. 9,12b).
Muitos gostariam de que existisse Páscoa sem Semana Santa. Um Jesus festivo, jovem, simpático, com olhos românticos; ou até com ar de revolucionário, mas não um Jesus esmagado e aniquilado! Mc, porém, e também a liturgia, situam a visão da glória na perspectiva da cruz, no início do caminho que conduz ao Gólgota, logo depois do convite aos discípulos de assumirem sua cruz no seguimento de Jesus (8,34). Aprendemos hoje que não devemos construir as “tendas eternas” antes da hora. Jesus deve caminhar ainda, e nós também. Mas, entretanto, precisamos de uma “pré-visão” de sua glória, para, na noite do sofrimento, enxergar o sentido final, que se revela nestas breves palavras: “Este é meu filho amado...”. Deus quer mostrar-nos que o mistério que nos salva é sua própria doação por nós, na morte de seu Filho. É o que nos explica Paulo, na 2ª leitura: “Não poupou seu próprio filho”. E, para que nos sensibilizemos do que significam estas palavras, a 1ª leitura nos lembra o conflito que explodiu na alma de Abraão, quando Javé lhe exigiu seu querido e único filho em sacrifício. O filho que encarnava a promessa de descendência. O filho em quem estava toda a sua vida. Concretamente: Jesus era o homem que interpretava, ensinava e vivia de modo perfeito a vontade de Deus. Qualquer um de nós diria: “Este homem vale ouro, devemos dar-lhe todas as chances; não o podemos queimar; devemos protegê-lo, promovê-lo”. Deus não. Deus sabe que o coração humano é orgulhoso e só cai em si depois de ter destruído sua própria felicidade. Deus sabe que os homens só se convertem “elevando os olhos para aquele que traspassaram” (Zc 12,10). A sede do poder, a agressividade, só reconhece seu vazio depois de ter esmagado o justo que a ela se opõe. Deus quer pagar este preço para conquistar o coração do ser humano. O Filho que ele envolve com sua glória, e que recebe o testemunho da Lei e dos Profetas (Moisés e Elias), Deus não o poupou, pois era preciso que se realizasse sua oferta de amor até o fim. Eis o risco que Deus quis correr.
Mas não aboliu Deus os sacrifícios humanos desde Abraão, impedindo, no último momento, o sacrifício de Isaac e contentando-se com um carneiro? Deus pôs fim aos sacrifícios em que homens oferecem outros homens. Mas, em seu Filho, ele mesmo quis sofrer, para nos ganhar com seu amor. Ele mesmo quis viver o amor até o fim, porque o Filho era, como se diz em termos humanos, o “amado” – uma parte de si, o único que encarnava plenamente sua vontade salvífica, o único verdadeiramente obediente, completamente dado ao plano do Pai. Nele Deus “se perdeu” a si mesmo em seu amor por nós...
“Escutai-o”. Os ensinamentos de Jesus, que agora seguirão, são os ensinamentos sobre a humildade, o despojamento, o serviço, a doação em prol dos “muitos” (10,45). Só podemos aceitar este ensinamento na confiança de que “ele teve razão” quando deu sua vida por nós. É isto que a liturgia de hoje, antecipadamente, nos deixa entrever.
DEUS DÁ SEU FILHO POR NÓS
No domingo passado vimos como Jesus, tendo assumido no batismo ser Filho e Servo de Deus, se preparou por sua “quaresma” para iniciar sua missão. Hoje, no 2ª domingo da Quaresma, o mesmo Filho é mostrado diante da fase final de sua missão, prestes a subir a Jerusalém, onde enfrentará inimizade mortal (cf. Mc 10,1.32). Já tinha anunciado seu sofrimento aos discípulos, equivocados a seu respeito (Mc 8,31-33). No evangelho de hoje, Pedro, Tiago e João são testemunhas de uma revelação em que vêem Jesus, antecipadamente, envolto na glória de Deus: a Transfiguração. E ouvem a Voz: “Este é meu Filho amado: escutai-o” (Mc 9,2-10). Antes de acompanhar Jesus no sofrimento, os discípulos recebem um sinal da glória de Jesus, para que saibam que o Pai está com ele quando ele vai dar sua vida por todos. Pois não é só Jesus dando a própria vida, é o Pai que dá seu Filho por nós, como diz Paulo na leitura.
É isso também que prefigura a 1ª leitura, que mostra Abraão disposto a sacrificar o próprio filho. Texto “escandaloso”: como pode Deus mandar sacrificar um filho? Expliquemos bem. Naquele tempo havia povos que pensavam que o primogênito, não só do rebanho, mas dos próprios filhos – sobretudo do chefe – devia ser dedicado a Deus mediante um sacrifício humano (assim acreditavam também, na América, os índios astecas etc.). Ora, Isaac era o herdeiro legítimo (filho da mulher legítima), que Abraão em sua velhice recebera de Deus. Tinha poucas chances de ter outro herdeiro. Mesmo assim, estava disposto a dar ouvido à voz da crença que ditava sacrificar o primogênito. Mas Deus não quis – e não quer – sacrifícios humanos. Por isso mandou um animal para substituí-lo.
O gesto magnânimo de Abraão tornou-se imagem da incompreensível magnanimidade de Deus, que dá seu “Filho unigênito” para nós (Jo 3,16). Magnanimidade, de fato, muito mal compreendida. Há quem pense que Deus é um carrasco, que quer que seu Filho pague com seu sangue os pecados dos demais. Mas, muitos séculos antes de Cristo, os profetas negaram tal ideia: cada um é responsável por seu próprio pecado (Ez 18; Jr 31,29 etc.). Deus não é vingativo nem sanguinário, mas antes de tudo rico em misericórdia e fidelidade (Ex 34,6, Sl 115,1 etc.). E é por isso que dispõe de seu Filho, para que este nos mostre a misericórdia e fidelidade de Deus por sua própria prática de vida. Jesus é Filho de Deus na medida em que sua atitude representa o amor fiel de Deus. É precisamente no momento de subir a Jerusalém para enfrentar a inimizade mortal das autoridades que isso se verifica. Jesus poderia ter virado o casaco, desistido de suas bonitas lições sobre o amor fraterno, poderia ter salvo sua pele. Não quis. Quis ser a imagem do amor fiel de Deus. Por isso, quando Jesus dá sua vida por nós, é o Pai que a dá.
Nossa mentalidade egocêntrica, alimentada pela ideologia da competição e do consumo, dificilmente admite que Deus possa ser imaginado como um superlativo de Abraão, como alguém tão generoso que aceita a fidelidade de Jesus até o fim como se fosse o dom de seu único filho e herdeiro. “Este é meu Filho amado”. Nele, Deus se reconhece a si mesmo, reconhece seu próprio modo de agir.
(O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total.)

Noticias Religião

Milton Schwantes. Pés comprometidos na caminhada pela justiça

"O trabalho e testemunhos comprometidos da leitura contextual da Biblia é reconhecido e tem servido de norteador nas discussões e agendas no movimento ecumênico e nas organizações internacionais, como a Federação Luterana Mundial, onde atualmente trabalho", afirma a Rev Dr Elaine Neuenfeldt - Secretary for Women in Church and Society - WICAS - The Lutheran World Federation - a Communion of Churches - Geneva – Switzerland, em depoimento dado sobre a vida e o trabalho de Milton Schwantes.

Eis o depoimento.

A dor da ausência será sentida no chão de nossas comunidades e nos grupos ecumênicos de leitura popular onde os quais Milton pisou, sempre com seus pés comprometidos na caminhada pela justiça; o trabalho e testemunhos comprometidos da leitura contextual da Biblia é reconhecido e tem servido de norteador nas discussões e agendas no movimento ecumênico e nas organizações internacionais, como a Federação Luterana Mundial, onde atualmente trabalho.

Aprendi com o pastor e professor Milton que a teologia e a pesquisa bíblica vao de maos dadas com a vida das comunidades; o acadêmico não contradiz com o popular, essa foi a sua prática coerente, e no contexto de nossa igreja, a IECLB, este foi um exemplo que enriqueceu uma geração inteira de pastoras e pastores; sua teologia bíblica, misturada com a vida concreta de pessoas de comunidade, inspirou nossas pesquisas, nossos fazeres e saberes no estudo na Faculdade de teologia, na EST.

A leitura popular da Biblia aprendi no CEBI, com os diferentes cursos, encontros e escritos que Milton compartilhava nestes espaços. Esse jeito de ler a Bíblia, aprendida em rodas de estudo, embaixo das arvores na Rondônia, no Mato Grosso, nos encontros ecumênicos, com grupos de diferentes experiências, aliado com a conversa amiga e a irreverência de seguir provocando perguntas foi o encantamento necessário para seguir meus proprios caminhos nos estudos da Biblia. Obrigada, Milton, por esta partilha!

Que o abraço de Deus o receba com ternura, na certeza da ressurreição.