A tragédia do Titanic nas fotografias de um jesuíta
"Desça logo desse navio!" O telegrama do padre provincial era peremptório e não deixava margem para mal-entendidos.
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assim Frank Browne (foto 7), estudante jesuíta irlandês a três anos da
ordenação sacerdotal, relutantemente, desceu do transatlântico com a sua
mala e a sua máquina fotográfica.
Naquele momento, o padre Frank não podia saber que essa ordem tão
severa não só lhe salvaria a vida, mas também salvaria as suas
fotografias, imagens destinadas a entrar para a história. Sim, porque os
seus foram os últimos retratos do Titanic, tirados poucas horas antes
do trágico naufrágio ocorrido no domingo 14 de abril de 1912, como
consequência do impacto com um iceberg.
Por ocasião do centenário da tragédia, na qual 1.523 dos 2.223
passageiros a bordo perderam a vida (incluindo os 800 membros da
tripulação), essas fotos foram coletadas, digitalizadas e impressas em
um livro publicado na Irlanda em edição especial, intitulado Father
Browne’s Titanic Album (que, na realidade, é uma reedição atualizada e
ampliada de um livro lançado em 1997).
Mas quem era o jovem jesuíta? E por que estava a bordo do Titanic? A
vida do padre Browne é cheia de episódios excepcionais. Em 1909, quando
ainda era novício, ele acompanhou o tio, o bispo Robert Browne, de
Cloyne, em uma peregrinação a Roma. Durante essa viagem, ele teve a
oportunidade de se encontrar, em uma conversa privada, com o então Papa
Pio X. Mas o jesuíta, a seu modo, já entrou para a história. Na
faculdade, ele teve a sorte de ser colega de curso do escritor irlandês
James Joyce, que o imortalizará no personagem do "senhor Browne, o
jesuíta", em sua obra-prima, Finnegans Wake.
O padre Browne cultivava uma paixão: a fotografia. Era um autodidata,
mas com uma sensibilidade totalmente particular para a imagem
considerada não só do ponto de vista artístico, mas também documental
(com os seus retratos, ele testemunharia as tragédias da Primeira Guerra
Mundial, da qual participaria como capelão e seria condecorado).
Assim, quando seu tio lhe presenteou um bilhete para o primeiro
trecho (Southampton-Cobh) da viagem inaugural do Titanic, ele decidiu
levar consigo a máquina fotográfica e toda a parafernália (flash, tripés
etc.) para tirar o máximo de fotos possíveis. Uma vez a bordo, ele não
perdeu um segundo e começou a fotografar o que parecia interessante: os
quartos e o salão de jantar da primeira classe, a academia, a
biblioteca, os passageiros que caminham na ponte, mas também os
emigrantes de terceira classe. Muitas das pessoas imortalizadas em suas
placas pereceria no naufrágio. Entre elas, o capitão Edward Smith. Foi
justamente o padre Browne que tirou a sua última foto antes do trágico
acidente.
Foi graças às suas imagens que historiadores e engenheiros
conseguiram reconstruir ao menos uma parte da história do Titanic. Até
mesmo o diretor James Cameron consultou as fotos do jesuíta irlandês
para preparar o set do seu blockbuster Titanic (1997). A cena do menino
que brinca com um pião no convés da primeira classe sob o olhar atento
do seu pai foi reconstruída precisamente a partir de um retrato do padre
Browne (foto).
A bordo, o jesuíta conheceu um casal norte-americano que se ofereceu
para lhe pagar o bilhete até Nova York. O padre Browne telegrafou ao seu
superior em Dublin para lhe pedir a permissão, mas ele recebeu a ordem
de descer do navio. Com pesar, ele obedeceu.
De volta à sua comunidade, desenvolveu e catalogou as fotografias e
depois as arquivou em um porão, esquecendo-se delas. Seria um coirmão
seu, muitos anos depois, que as encontraria e as publicaria.
Revista dos jesuítas italianos, Popoli, 11-04-2012.