Liturgia
A PALAVRA E OS SINAIS DO SENHOR GLORIOSO
1ª leitura: (At 1,1-11) Ascensão de Jesus e missão dos apóstolos –
Os dias entre a Páscoa e a Ascensão formam “o retiro de preparação” (40
dias!) para o desabrochamento da Igreja. Foram as últimas instruções de
Jesus aos seus: promessa e missão. Eles deverão levar a mensagem de
Jesus ao mundo inteiro, e para isso receberão a força do Espírito. Até o
Senhor voltar, sua Igreja será missionária. * 1,1-5 cf. Lc 1,1-4; Mt
28,19-20; Lc 24,42-43.49; 3,16 * 1,6-11 cf. Mt 24,36; Lc 24,48.50-51; Mc
16,19; Ef 4,8-10; Sl 110[109],1.
2ª leitura: (Ef 1,17-23) A força de Deus, revelando-se na exaltação do Cristo – A oração do autor se transforma em proclamação dos magnalia Dei
em Cristo. Deus o ressuscitou e o fez cabeça da Igreja e do universo. A
Igreja é seu “corpo”, ela o torna presente no mundo, ela é a presença
atuante de Cristo no mundo. * 1,17-18 cf. Cl 1,9-10; Ef 3,14 * 1,19-21
cf. Sl 109[110],1; Fl 2,9-11; Cl 1,16 * 1,22-23 cf. 8,6; Ef 4,10.15; Cl
1,18-19.
Evangelho: (Mc 16,15-20) Final do evangelho de Mc –
Mc 16,9-20 é um complemento do final original de Mc (terminado em
16,8), resumo das diversas tradições no N.T. a respeito dos
acontecimentos pascais. Mc 16,14 inspira-se de Lc 24,36 e Mt 28,16-17
(dúvida dos apóstolos). Mc 16,15 sintetiza Mt 28,18-20: missão de
evangelização radical. Esta missão será acompanhada por sinais
milagrosos (cf. vários textos de At; compare Mc 16,18a com At 28,3-6!).
Por final, notifica o arrebatamento de Jesus (cf. Elias) e sua
instalação à direita de Deus (cf. At 2,33ss; Sl 110[109]) e o início da
pregação apostólica. * Cf. Mt 28,16-20; Lc 24,36-39; Jo 20,19-23.
*** *** ***
O evangelho de
hoje é quase um resumo dos Atos dos Apóstolos. O Cristo glorioso, na
hora de sua despedida, confia aos apóstolos a missão e já prediz aquilo
que o livro dos Atos, de fato, descreve com relação a essa missão: o
poder de Cristo acompanha seus discípulos na pregação. O texto insiste
mais nos sinais que acompanham a palavra do que no conteúdo desta. Isso
pode dar a impressão de certo “sensacionalismo”. Devemos ver isso com os
olhos daquele tempo: os sinais prodigiosos confirmavam que “Deus estava
com eles”. (Neste sentido, Mc 16,15-20 pode também ser considerado como
uma explicitação das últimas palavras de Mt 28,20.) O Senhor glorioso,
estabelecido no “poder”, dá uma força incrível aos que pregam o seu
“nome” (16,17b; cf. At 3). Isso continua sendo verdade ainda hoje. O
Senhor glorioso não deixa de dar força aos que se empenham pela pregação
de seu Reino. A evangelização hoje é acompanhada por sinais que causam
tanta admiração quanto os “milagres” descritos em Mc 16,17-18: pessoas
que conseguem livrar-se do vício, do fascínio do lucro; comunidades que
se baseiam não na competição, mas na comunhão; apóstolos que parecem
abolir as fronteiras humanas; pessoas que, sem serem complexadas, vivem o
matrimônio (ou a virgindade) em fidelidade. Será que tudo isso é menos
significativo do que pegar em cobras ou beber veneno?
O evangelho não depende de sinais. Mas, onde há
fogo, sai fumaça: a presença do evangelho, por escondida que seja, não
pode deixar de chamar a atenção. Transforma a realidade lá onde menos se
espera.
A Ascensão de Cristo ao céu nos torna os
encarregados da missão à qual ele, em sua glória, preside. Manifestamos o
seu nome, e os sinais confirmam o seu “poder”, que se encarna na
pregação do evangelho. O evangelho não deixa as coisas como estão. Essa é
a mensagem de hoje.
“O SENHOR COOPERAVA COM ELES”
Depois da ressurreição, Jesus deixou
sua missão terrena e subiu aos céus, confiando sua missão aos seus. E “o
Senhor cooperava com eles” (evangelho).
Depois da Páscoa, tudo mudou. Antes, Jesus era o profeta rejeitado;
depois, ele apareceu entrando na glória do Pai – que assim mostrou aos
discípulos que Jesus teve razão naquilo que ensinou e realizou. Antes,
Jesus chamava os discípulos para serem seus colaboradores; depois, ele é
quem “coopera com eles”, pois agora sua obra está nas mãos deles.
O Ressuscitado mandou os discípulos anunciar a
Boa-Nova e lhes prometeu forças extraordinárias para cumprirem sua
missão. Quem se empenha corpo e alma pela causa de Deus faz maravilhas,
enquanto o acomodado não consegue nada. Movidos pelo amor ao Senhor, os
apóstolos se jogaram na pregação, e coisas inimagináveis aconteceram.
Ficamos maravilhados ao ler de que foram capazes um José de Anchieta,
uma Madre Teresa de Calcutá... A festa da Ascensão nos ensina a fazer de
Jesus realmente o Senhor de nossa vida e a arriscar tudo para levar sua
missão adiante – realizando o que parecia impossível. Pois ele coopera.
Coopera de modo extraordinário. Não que o
extraordinário em si seja uma prova da divindade. No tempo de Moisés
havia os feiticeiros do Egito e no tempo dos apóstolos, os taumaturgos
judeus e pagãos. O extraordinário, de per si, é ambíguo, alimenta o
sensacionalismo, o “Fantástico” na televisão etc. Ora, na pregação, o
extraordinário tem valor de sinal quando mostra que o Espírito do
Ressuscitado impulsiona o mensageiro, quando faz reconhecer Jesus como o
Senhor e como aquele que coopera com aqueles que estão a seu serviço –
como aquele que tem força para mudar o mundo, quando os seus se
empenham por isso.
Mas esse poder não serve para glória própria. Serve
para o amor, para o projeto pelo qual Jesus deu a vida. Jesus não veio
para conquistar o poder, mas para servir e dar a vida pela humanidade.
Veio para manifestar o amor de Deus. Se manifesta o poder de
Jesus-Senhor, a evangelização deve, antes de tudo, demonstrar o amor de
Jesus-Servo. O extraordinário, na evangelização, serve para manifestar
que o amor de Deus, tornado visível em Jesus, tem a última palavra.
Atualizando, poderíamos considerar coisas que são,
nesse sentido, extraordinárias: a transformação das estruturas de nossa
sociedade, enferrujada em seu egoísmo; a vitória da justiça sobre a
corrupção; a vitória da solidariedade e da dignidade humana sobre as
muitas formas de vício e degeneração...
Há grupos religiosos que exibem mais “milagres” do
que nós, católicos. Será que por isso devemos apostar mais nas coisas
sensacionais? O extraordinário é um sinal, não a causa mesma que está em
jogo. É bom ter sinais, mas o mais importante é que a causa seja
apresentada na sua integridade. E essa causa é o amor de Cristo que nos
impulsiona. Extraordinário mesmo é o que, nas circunstâncias mais
contrárias, fala desse amor. Aí, “Ele” aparece cooperando conosco.
(O
Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo,
doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia
Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a
tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" –
CNBB. Konings é Colunista do Dom Total.)
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