Evangelização libertadora
«Quem pretender viver segundo a espiritualidade de Nazaré
deverá estar consciente de que ela é a base da sua existência, quer se encontre
no deserto quer na missão apostólica. Quer dizer que não pode haver apostolado
sem Nazaré nem deserto sem Nazaré, nem Nazaré sem deserto nem apostolado».
Para que se dê uma inserção em qualquer lugar da terra,
Charles acredita que o cristão deverá partir sempre do modo de agir de Deus,
tal como aparece nos Evangelhos, e acolher e apreciar tudo o que de bom e
peculiar existe em cada povo e cultura.
Um santo à nossa medida
“Jesus, só Jesus, Jesus em tudo, Jesus sempre”.
É convicção profunda do beato Charles de Foucauld que Jesus
Cristo deve estar no centro da nossa vida para que possamos ter gosto em
conhecê-lo, deixar-nos seduzir por ele, segui-lo e imitá-lo, levar a nossa cruz
atrás dele. Desta forma, permitimos-lhe que nos diga a verdade a respeito da
nossa vida, dos nossos desejos, dos nossos projetos e da nossa história. E isto
tem de acontecer mesmo à custa do martírio, que ele não excluía: «Pensa que
terás de morrer mártir, despojado de tudo, estendido por terra, nu,
irreconhecível, coberto de sangue e feridas, violenta e dolorosamente
assassinado…e deves desejar que seja hoje». Assim foi com ele, que morreu
“violentamente e dolorosamente assassinado” tal como sempre tinha desejado,
para se configurar com Cristo até na morte.
“Ser caridosos, mansos, humildes com todos: é isto que se
aprende de Jesus”.
A exemplo de Charles de Foucauld, também nós somos chamados
a viver um novo modo de ser Igreja, sacramento de salvação para a humanidade.
Na fraternidade evangélica, antes de mais, que não é apenas uma fraternidade
reunida no amor à volta de Jesus e com Jesus, mas uma fraternidade que faz da
caridade, tanto por dentro como por fora, o mandamento supremo até “fazer da
salvação do próximo, bem como da salvação pessoal, a grande tarefa da vida”.
Este ideal só é atingível se formos capazes de “ver um irmão
em cada ser humano”. Se vivermos superficialmente, só acolhemos o outro
superficialmente. Se vivermos em profundidade, que é onde Deus habita,
acolheremos o outro com profundidade, ou seja, como irmão e filho do mesmo Pai.
Somos chamados a viver uma vida comunitária que saiba
apreciar e valorizar a vida ordinária, diária, o lugar onde realizaremos
santidade. Uma santidade que se manifesta na comunhão profunda com Deus, no
trabalho e na proximidade com as pessoas para tornarmos a nossa vida mais
semelhante à de Jesus nos trinta anos que passou em Nazaré. Ele ensina-nos a
não fugir ao aspecto quotidiano e ordinário da nossa existência, à procura de
experiências extraordinárias. Só se soubermos viver de maneira extraordinária e
com amor o “ordinário” é que conseguiremos que os nossos relacionamentos se
tornem cada vez mais justos, mais verdadeiros, mais fraternos e mais ricos em
humanidade e ternura para com os outros.
“Ler e reler incessantemente o Santo Evangelho”
O Beato Charles de Foucauld converteu-se a Deus através do
Evangelho. A procura vocacional e a sua vida espiritual como um todo
desenrolaram-se até à morte sob o signo do Evangelho meditado, ruminado,
assimilado e vivido. Nutria um grande amor pelo Evangelho que via não como um
estudo de normas e leis, mas como encontro com “o esposo, o namorado, o
bem-amado”, para assim lhe poder “agradar, servir, glorificar, consolar, como
deseja que tudo seja feito” A vida de comunidade e o caminho do discipulado,
nas suas várias modalidades e critérios, juízos e valores, devem passar pela
peneira da Palavra. «Ler e reler incessantemente o Santo Evangelho para ter
sempre diante da mente as ações, as palavras, os pensamentos de Jesus para
poder pensar, falar e agir como Jesus, seguir os exemplos e os ensinamentos de
Jesus e não os exemplos e os modos de fazer do mundo, em que recaímos tão
rapidamente mal afastamos os nossos olhos do divino Modelo».
Na vida de qualquer comunidade missionária, a primazia do
Evangelho deve assemelhar-se à semente que germina e produz fruto no
escondimento e no silêncio, para depois de tornar alimento abundante para todos
aqueles que têm fome.
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